Mauro Ferreira no G1

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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Em cena, Filipe Catto se confirma intérprete de verdade no teatro da canção

Resenha de show
Título: Fôlego
Artista: Filipe Catto (em foto de Cristina Granato)
Local: Studio RJ (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 10 de novembro de 2011
Cotação: * * * * 1/2

  Filipe Catto é um cantor de excessos. Longe de ser um pecado, tais excessos são a matéria-prima de seu jogo de cena. Intérprete de natureza teatral, o emergente artista gaúcho encena sua saga passional no show Fôlego, em turnê pelo Brasil após ter estreado em Porto Alegre (RS) e passado pelo Rio de Janeiro (RJ). Tudo é cena, mas a voz é de verdade, exposta já no primeiro número cantado, Alazão (Clarões) (Ednardo e Brandão, 1974), sequência da abertura feita com vinheta instrumental de Saga, música-título do EP independente de 2009 que marcou o início da carreira fonográfica de Catto. Estrategicamente alocada no início e no fim do show, Saga é rebobinada em Fôlego, o álbum recém-lançado pela gravadora Universal Music que fornece a matéria-prima do roteiro (clique aqui para conhecer o roteiro da estreia carioca do show). Contudo, Catto extrapola o repertório do disco. Ciente do domínio da voz e do palco, o artista tece roteiro de bom acabamento que harmoniza tangos, boleros e sambas. Sucesso de Reginaldo Rossi, Garçom (1987) serve o banquete teatral para o intérprete, que rumina a mágoa contida em cada verso do hit kitsch, afiando o sentido da letra sob a guitarra cortante de Fabá Jimenez. A banda, aliás, também se mostra afiada, como se os músicos fossem excelentes atores coadjuvantes que dão a deixa para o brilho do ator principal. Na contramão do estilo cool que impera na cena indie, Catto se excede em cena, inflama versos como os de Crime passional (2009) - uma das músicas de sua própria lavra - e desempenha bem o papel que escolheu para si. Catto é o avesso do cool e do blasé. O cantor-ator faz caras e bocas sem perder a pose de bom cantor. Não, o canto nunca fica em segundo plano no jogo de cena. Sagaz, o intérprete linka sem estranhezas sucesso indie de Karina Buhr, Eu menti pra você (2010) com samba gravado por Clara Nunes (1942 - 1983), Mente (Eduardo Gudin e Paulo Vanzolini, 1978) em pot-pourri em que Volta por cima (outro samba de Vanzolini, de 1962) sucede Meu mundo caiu (Maysa, 1958). Até os silêncios fazem parte da cena de Catto, que cai no samba com Roupa de corpo (tema dele próprio, lançado no EP de 2009), transita classudo pelo Boulevard of boken dreams (Harry Warren e Al Dubin, 1933) e curte toda a ardência de um bolero de Agustín Lara (1897 - 1970), Piensa en mi, sem mascarar o sofrimento. Em contraste com o tom inflamado do repertório, a balada 2 Perdidos (Dadi e Arnaldo Antunes, 2006) se impõe no tempo da delicadeza, evidenciando beleza que parece fora do tom no registro do álbum. O mesmo, aliás, acontece com Redoma, exuberante no palco e meio indiferente no disco. É o jogo de cena em que se ajusta perfeitamente Puro teatro (Catalino Curet Alonso, 1968), bolero conhecido na voz da cantora cubana La Lupe (1939 - 1992), em cuja sequência Catto encadeia o tango Alcoba azul (Hermán Bravo Varela, 2002). Jogo iluminado com brilho e potência por Luz negra, um dos ápices do espetáculo em releitura de início minimalista que ganha intensidade. Com modernidade, o samba de 1961 - composto por Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) com Amâncio Cardoso - acende outro refletor. Na sequência, Ave de prata (Zé Ramalho, 1979) e Sinner man - tema tradicional que Nina Simone (1933-2003) tomou para si - reiteram que Catto é intérprete de personalidade forte e segura que se excede sem perder o fio da meada, o fio condutor de saga passional, encenada com ardor. Filipe Catto mente, mas sua voz não mente.

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Filipe Catto é um cantor de excessos. Longe de ser um pecado, tais excessos são a matéria-prima de seu jogo de cena. Intérprete de natureza teatral, o emergente artista gaúcho encena sua saga passional no show Fôlego, em turnê pelo Brasil após ter estreado em Porto Alegre (RS) e passado pelo Rio de Janeiro (RJ). Tudo é cena, mas a voz é de verdade, exposta já no primeiro número cantado, Alazão (Ednardo), sequência da abertura com vinheta instrumental de Saga, música-título do EP independente de 2009 que marcou o início da carreira fonográfica de Catto. Estrategicamente alocada no início e no fim do show, Saga é rebobinada em Fôlego, o álbum recém-lançado pela gravadora Universal Music que fornece a matéria-prima do roteiro (clique aqui para conhecer o da estreia carioca do show). Contudo, Catto extrapola o repertório do disco. Ciente de seu domínio da voz e do palco, o artista tece roteiro de bom acabamento que harmoniza tangos, boleros e sambas. Sucesso de Reginaldo Rossi, Garçon serve o banquete teatral para o intérprete, que rumina a mágoa contida em cada verso do hit kitsch, afiando o sentido da letra sob a guitarra cortante de Fabá Jimenez. A banda, aliás, também se mostra afiada, como se os músicos fossem excelentes atores coadjuvantes que dão a deixa para o brilho do ator principal. Na contramão do estilo cool que impera na cena indie, Catto se excede em cena, inflama versos como os de Crime Perfeito (uma das músicas de sua própria lavra) e desempenha bem seu papel. Catto é o avesso do cool e do blasé. O cantor-ator faz caras e bocas sem perder a pose de bom cantor. Não, o canto nunca fica em segundo plano no jogo de cena. Sagaz, o intérprete linka sem estranhezas sucesso indie de Karina Buhr, Eu Menti pra Você, com samba gravado por Clara Nunes (1942 - 1983), Mente (Eduardo Gudin e Paulo Vanzolini) em pot-pourri em que Volta por Cima (outro samba de Vanzolini) sucede Meu Mundo Caiu (Maysa). Até os silêncios fazem parte da cena de Catto, que cai no samba com Roupa de Corpo (dele próprio), transita classudo pelo Boulevard of Broken Dreams (Harry Warren e Al Dubin) e curte toda a ardência de um bolero de Agustín Lara (1897 - 1970), Piensa en mi, sem mascarar o sofrimento. Em contraste com o tom inflamado do repertório, a balada 2 Perdidos (Dadi e Arnaldo Antunes) se impõe no tempo da delicadeza, evidenciando beleza que não transparece por completo no registro do álbum. O mesmo acontece com Redoma, exuberante no palco e meio indiferente no disco. É o jogo de cena em que se ajusta perfeitamente Puro Teatro (Catalino Curet Alonso), tema conhecido na voz da cantora cubana La Lupe (1939 - 1992), em cuja sequência Catto encadeia o tango Alcoba Azul (Hermán Bravo Varela). Jogo iluminado com brilho e potência por Luz Negra, um dos ápices do espetáculo em releitura de início minimalista que vai ganhando intensidade.Embebido em modernidade, o samba de Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) e Guilherme de Brito (1922 - 2006) acende outro refletor. Na sequência, Ave de Prata (Zé Ramalho) e Sinner Man - o tema tradicional que Nina Simone (1933 - 2003) tomou para si - reiteram que Catto é um intérprete de personalidade forte e segura. Ele se excede sem perder o fio da meada, o fio condutor de sua saga passional, encenada com ardor no palco. Filipe Catto mente, mas sua voz não mente.

falsobrilhante disse...

Tudo que excede, abunda.

KL disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
lurian disse...

Falsobrilhante, Não pude deixar de rir do seu comentário...rs

Sandro CS disse...

Felipe Catto! Até que enfim algo de REALMENTE interessante na cena musical moderna do Brasil! Salve!