Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Mariene saúda Clara com luz própria em gravação que se escora em hits

Resenha de show - Gravação de DVD
Título: Ser de Luz
Artista: Mariene de Castro (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Espaço Tom Jobim (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 9 de outubro de 2012
Cotação: * * * *

Os dois belos figurinos criados por Wilson Ranieri para Mariene de Castro usar na gravação ao vivo do DVD Ser de Luz dão a pista do tom do show arquitetado dentro da série Clara, ciclo de homenagens a Clara Nunes (1942 - 1983) idealizado pelo jornalista Vagner Fernandes para o Canal Brasil. Criados dentro de linha afro-brasileira, ambos remetem à figura icônica de Clara - inclusive pelo uso de tiaras no cabelo - sem clonar o estilo adotado pela cantora mineira a partir de 1971. A intérprete baiana foi pelo mesmo caminho no show. Embora reverente a Clara, Mariene pôs sua luz própria em várias das 16 músicas lançadas originalmente pela Guerreira entre 1971 e 1982 em registros fonográficos que permanecem imbatíveis. Baiana boa que gosta da roda, Mariene fez Ê Baiana (Fabrício da Silva, Ênio dos Santos Ribeiro, Baianinho e Miguel Pancracio, 1971) entrar bem na sua roda e foi sagaz ao mergulhar no universo praieiro de O Mar Serenou (Candeia, 1975) com citação da ciranda Sereia. No todo, o show foi luminoso - tanto pela força atemporal de repertório que evoca a vivacidade musical do Brasil mestiço como pela imponente presença cênica e pelo canto caloroso de Mariene. E, curiosamente, um dos momentos mais surpreendentes foi um número de luz intencionalmente reduzida. Majestoso samba de Paulinho da Viola, Coração Leviano (Paulinho da Viola, 1977) bateu em compasso seco, mais interiorizado, condizente com o tom magoado dos versos gravados por Clara com a Velha Guarda da Portela. A propósito, a presença de três pastoras da Portela (Áurea Maria, Neide Sant'Anna e Surica) em números como o samba-enredo Portela na Avenida (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1981) - fecho apoteótico da parte do roteiro dedicada a Clara - acabou ofuscada pela luz irradiada por Mariene no palco. Luminosidade intensa que somente realçou a apatia da participação de Zeca Pagodinho no partido alto Coisa da Antiga (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1977). Como diretor musical e líder da banda que incluiu virtuoses como Luís Filipe de Lima (violão de sete cordas), Alceu Maia - em um de seus melhores trabalhos como produtor - procurou sempre dar um toque especial aos arranjos sem quase nunca se desviar do tom das gravações de Clara. Merece menção honrosa a trama de tambores que ressoa ao fim de A Deusa dos Orixás (Romildo e Toninho, 1974), tema afro-brasileiro em sintonia com o repertório habitual de Mariene (que alterou verso da parte final da letra, trocando a palavra 'coroa' por 'fogueira'). O acordeom de Cícero Assis foi um dos toques especiais de vários arranjos, dando - por exemplo - outro tempero a Sem Companhia (Ivor Lancellotti e Paulo César Pinheiro, 1980), tema mais intimista que Mariene entoou sem sua habitual espontaneidade, mote de abordagens de músicas como Guerreira (João Nogueira e Paulo César Pinheiro, 1978), músicas mais afins com o universo temático e rítmico da intérprete baiana. Aliás, foi o sanfoneiro que naturalmente puxou o fole em Feira de Mangaio (Sivuca e Glória Gadelha), dando a partida no número forrozeiro. Intérprete que canta também com o corpo, Mariene fez coreografias em boa parte das músicas. Seu gestual dengoso em Morena de Angola (Chico Buarque, 1980) conquistou de imediato a plateia, apesar de o samba ter sido interrompido várias vezes pelo tropeços de Mariene com a letra trava-língua de Chico (tropeços que serão obviamente limados na fase de edição e pós-produção do DVD). Abertura do tributo, Minha Missão (João Nogueira e Paulo César Pinheiro) - número que surtiu melhor efeito ao ser repetido no meio do show -  quase ganhou feitio de oração, ritualizado pelos tambores percutidos por Iuri Passos, Fábio Cunha, Jaime Nascimento, Marcelo Pinho e André Souza. Com batida reverente à gravação de Clara, Ijexá (Edil Pacheco, 1982) reiterou a eventual proximidade entre os universos rítmicos de Clara e Mariene. Assim como Conto de Areia (Romildo e Toninho), número que motivou calorosa participação popular. E, mesmo que o repertório selecionado seja irretocável, cabe ressaltar que o roteiro decepciona ao se restringir aos sucessos de Clara. O cancioneiro da Guerreira inclui grandes e pouco ouvidos temas que se ajustariam bem ao canto e ao universo de Mariene. Jogo de Angola (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1978), Brasil Mestiço Santuário da Fé (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1980), Afoxé pra Logun (Nei Lopes, 1982) e Mãe África (Sivuca e Paulo César Pinheiro, 1982) são somente quatro (dentre os muitos) exemplos de músicas obscuras que bem poderiam ter sido iluminadas pelo canto de Mariene de Castro neste tributo se a seleção tivesse ido além dos hits. Contudo, a julgar pela gravação ao vivo do show apresentado no Espaço Tom Jobim (RJ) em 9 de outubro de 2012, Ser de Luz - o DVD que vai ser lançado em 2013 - é tributo à altura da memória e obra de Clara Nunes, voz imortal do Brasil mestiço.

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Os dois belos figurinos criados por Wilson Ranieri para Mariene de Castro usar na gravação ao vivo do DVD Ser de Luz dão a pista do tom do show arquitetado dentro da série Clara, ciclo de homenagens a Clara Nunes (1942 - 1983) idealizado pelo jornalista Vagner Fernandes para o Canal Brasil. Criados dentro de linha afro-brasileira, ambos remetem à figura icônica de Clara - inclusive pelo uso de tiaras no cabelo - sem clonar o estilo adotado pela cantora mineira a partir de 1971. A intérprete baiana foi pelo mesmo caminho no show. Embora reverente a Clara, Mariene pôs sua luz própria em várias das 16 músicas lançadas originalmente pela Guerreira entre 1971 e 1982 em registros fonográficos que permanecem imbatíveis. Baiana boa que gosta da roda, Mariene fez Ê Baiana (Fabrício da Silva, Ênio dos Santos Ribeiro, Baianinho e Miguel Pancracio, 1971) entrar bem na sua roda e foi sagaz ao mergulhar no universo praieiro de O Mar Serenou (Candeia, 1975) com citação da ciranda Sereia. No todo, o show foi luminoso - tanto pela força atemporal de repertório que evoca a vivacidade musical do Brasil mestiço como pela imponente presença cênica e pelo canto caloroso de Mariene. E, curiosamente, um dos momentos mais surpreendentes foi um número de luz intencionalmente reduzida. Majestoso samba de Paulinho da Viola, Coração Leviano (Paulinho da Viola, 1977) bateu em compasso seco, mais interiorizado, condizente com o tom magoado dos versos gravados por Clara com a Velha Guarda da Portela. A propósito, a presença de três pastoras da Portela (Áurea Maria, Neide Sant'Anna e Surica) em números como o samba-enredo Portela na Avenida (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1981) - fecho apoteótico da parte do roteiro dedicada a Clara - acabou ofuscada pela luz irradiada por Mariene no palco. Luminosidade intensa que somente realçou a apatia da participação de Zeca Pagodinho no partido alto Coisa da Antiga (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1977). Como diretor musical e líder da banda que incluiu virtuoses como Luís Filipe de Lima (violão de sete cordas), Alceu Maia - em um de seus melhores trabalhos como produtor - procurou sempre dar um toque especial aos arranjos sem quase nunca se desviar do tom das gravações de Clara. Merece menção honrosa a trama de tambores que ressoa ao fim de A Deusa dos Orixás (Romildo e Toninho, 1974), tema afro-brasileiro em sintonia com o repertório habitual de Mariene (que alterou verso da parte final da letra, trocando a palavra 'coroa' por 'fogueira'). O acordeom de Cícero Assis foi um dos toques especiais de vários arranjos, dando - por exemplo - outro tempero a Sem Companhia (Ivor Lancellotti e Paulo César Pinheiro, 1980), tema mais intimista que Mariene entoou sem sua habitual espontaneidade, mote de abordagens de músicas como Guerreira (João Nogueira e Paulo César Pinheiro, 1978), músicas mais afins com o universo temático e rítmico da intérprete baiana. Aliás, foi o sanfoneiro que naturalmente puxou o fole em Feira de Mangaio (Sivuca e Glória Gadelha), dando a partida no número forrozeiro.

Mauro Ferreira disse...

Intérprete que canta também com o corpo, Mariene fez coreografias em boa parte das músicas. Seu gestual dengoso em Morena de Angola (Chico Buarque, 1980) conquistou de imediato a plateia, apesar de o samba ter sido interrompido várias vezes pelo tropeços de Mariene com a letra trava-língua de Chico (tropeços que serão obviamente limados na fase de edição e pós-produção do DVD). Abertura do tributo, Minha Missão (João Nogueira e Paulo César Pinheiro) - número que surtiu melhor efeito ao ser repetido no meio do show - quase ganhou feitio de oração, ritualizado pelos tambores percutidos por Iuri Passos, Fábio Cunha, Jaime Nascimento, Marcelo Pinho e André Souza. Com batida reverente à gravação de Clara, Ijexá (Edil Pacheco, 1982) reiterou a eventual proximidade entre os universos rítmicos de Clara e Mariene. Assim como Conto de Areia (Romildo e Toninho), número que motivou calorosa participação popular. E, mesmo que o repertório selecionado seja irretocável, cabe ressaltar que o roteiro decepciona ao se restringir aos sucessos de Clara. O cancioneiro da Guerreira inclui grandes e pouco ouvidos temas que se ajustariam bem ao canto e ao universo de Mariene. Jogo de Angola (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1978), Brasil Mestiço Santuário da Fé (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1980), Afoxé pra Logun (Nei Lopes, 1982) e Mãe África (Sivuca e Paulo César Pinheiro, 1982) são somente quatro (dentre os muitos) exemplos de músicas obscuras que bem poderiam ter sido iluminadas pelo canto de Mariene de Castro neste tributo se a seleção tivesse ido além dos hits. Contudo, a julgar pela gravação ao vivo do show apresentado no Espaço Tom Jobim (RJ) em 9 de outubro de 2012, Ser de Luz - o DVD que vai ser lançado em 2013 - é tributo à altura da memória e obra de Clara Nunes, voz imortal do Brasil mestiço.

Anônimo disse...

Em 2013?

kaik disse...

Lembra muito a Vanessa da Mata na composição visual, inclusive as flores no pedestal.

lurian disse...

Clara nem precisa ser tão relembrada, uma vez que nunca saiu do imaginário das pessoas. Está ficando chata essa onda de tirar casquinha do repertório da grande Clara.